Pátria Mundo 2000

As tapeçarias são executadas em diversificadas técnicas e dimensões numa tentativa de, integrando a memória e a modernidade, tecer composições cuja textura, ritmo, cor e forma traduzam os conceitos e as ideias que Maria Altina Martins deseja transmitir. A armação imaginada pela artista não se rege, portanto, pelos cânones clássicos, constituindo uma interpretação livre.
A tenture (conjunto de tapeçarias que narra uma história) corresponde à consagrada vocação parietal das tapeçarias, mas não se resume nem se circunscreve à função ornamental e mural. Algumas das obras, mantendo todavia o carácter planificado, foram concebidas para definir espaços e marcar perspectivas, conduzindo o olhar do espectador para o entendimento do significado de cada um dos sub-temas. Outras há, cuja intencionalidade se exprime através da tridimensionalidade, ocupando o centro de um espaço, invertendo assim o carácter periférico das tapeçarias tradicionais. Outras há ainda, que se dispõem longitudinalmente, organizando-se de forma sequencial. As tapeçarias desta armação evocam um caminho ou um percurso iniciático que, umas vezes assenta na figuração e outras, na abstração.

Texto de Madalena Braz Teixeira

A Tenture de Pátria Mundo:

Adamastor , Temor e Motivação (vento mau e vento bom), 1994: Esta tapeçaria é dividida verticalmente por duas figuras que personificam o gigante do Cabo.Também podem figurar Jeová, o senhor do castigo e Deus, o senhor do Amor. Enquanto o primeiro reflecte o temor e a tirania, o segundo exprime-se, embora fortemente fustigado pelo vento, através da bonança. 

Bussola, 2000: De reduzidas dimensões, esta peça tem como finalidade demonstrar o processo de tecer. A intenção desta composição reside no facto de estar propositadamente inacabada, dando a possibilidade ao espectador de poder observar o processo da tecelagem, integrando os utensílios que serviram para a execução deste exercício técnico. 

Causa e Meio, 2000: A artista procura representar a causa e a motivação das Descobertas que claramente tiveram objectivos de carácter comercial e outros de índole religiosa. Atende à busca de materiais exóticos e de riquezas minerais capazes de devolver aos seus achadores, os modos e as armas necessárias ao desenvolvimento económico.

Chagas -Armas 1997: De carácter figurativo, corresponde à representação da bandeira portuguesa que servia à Dinastia de Avis. Reconhecem-se as cinco quinas tecidas em tonalidades azuis onde se incluem as cinco chagas de Cristo. O quadrado é emoldurado por decorações que sugerem a hierarquia e a dominância Real. 

Dinamene, (a guerra e o amor), 1998/1999: De características tridimensionais, esta peça atende essencialmente ao fulgor da paixão, a intensidade vermelha do sentimento amoroso, razão porque a figura da Dinamene representa um marco fundamental alusivo à mulher. Recorta-se ainda e como imagem de sofrimento, a presença de um escravo que centraliza a composição. No reverso está contida uma síntese cromática abstratizante da composição contida no anverso. 

Horizonte, 1999: Tendo a característica de ser executada no clássico ponto de Gobelins, esta tapeçaria devolve ao espectador uma experiência da calmaria tropical e da intensidade solar inerente ao clima brasileiro. Esta composição tem como principal característica a luminosidade e a suavidade com que as teias se entrelaçam para realizar um todo de grande harmonia. 

Ida, Infante D’Anrique, 1994: É evocada não só a imagem tradicional do impulsionador das Descobertas como as suas próprias iniciais I(nfante) D(om) A(nrique). Esta figura domina o centro da composição onde se destaca o grande chapeirão borgonhês. Os restantes elementos de carácter dramático afloram o naufrágio de Camões, o salvamento dos Lusíadas e toda uma gama de padecimentos. 

Infinito – ¥ –  ¥ +, 2000: Esta tapeçaria consta de um estudo sobre a cor que transmite a ideia de multiculturalidade e de utopia. Numa das pontas da estola encontram-se tecidas as harmonias cromáticas das primárias e noutra, a harmonia cromática dos valores. Remete para a resolução dos contrastes entre as civilizações através da complementariedade da cor. 

Lápis, Cúmplice e Índice, 2000: Manufacturada na vertical, esta tapeçaria divide-se em duas partes em que a inferior é densa. Aqui se integra uma pedra de mármore proveniente de Foz Côa onde foram gravados os equídeos rupestres. A parte superior é formada por uma rede que indica as linhas, os riscos e os desenhos de referência paleolítica.

Cota de Malha, 1990: Executada em missangas, esta peça revela por isso um precioso e moroso trabalho na sua confecção. A cota de malha evoca o traje militar medieval. Trata-se de revitalizar a ideia de defesa e de envolvimento do corpo através da manufactura de uma composição livre de grande efeito polícromo. 

Água – Mar, o pretexto, 1993: De expressão abstracta, esta tapeçaria é composta por uma moldura tecida e um espaço branco que representa a vela. Trata-se por isso de uma peça que estabelece a relação constante e permanente entre a água e a vela. Esta é, na verdade, o motor do movimento na medida em que, impulsionada pelo vento, conduz o navegador ao seu caminho. 

Olho de Tigre, 2000: Executada em lã esta tapeçaria é tingida manualmente com pigmentos retirados das madeiras brasileiras, nomeadamente pau-brasil e rucu. Trata-se de explorar a simbologia referente à vegetação que veio a dar o nome ao Brasil. A artista integrou uma pedra semi-preciosa designada por Olho de Tigreque reflecte o seu próprio olhar e a força vital que conduz aos achamentos.

Pau-Brasil, 2000: Esta tapeçaria bordada integra um fragmento da madeira brasileira que procura ser evocadora do Achamento do Brasil e comemorativa dos 500 anos da Viagem de Pedro Álvares Cabral. Trata-se de um objecto-têxtil miniaturial que contrasta pela dimensão e pela simplicidade com a extensão territorial daquele país. 

Povo – o olhar da Vela, 1997: Executada nas cores terra, indica a intenção de representar as populações e a sua ancestral e fundamental relação com a natureza. Tratando-se de uma composição abstratizante pode todavia adivinhar-se a presença de um olho que tudo vê, perscruta e observa como se fora o olhar da vela, subjectivando-se assim o têxtil na acção epopaica dos Descobrimentos. 

Pulseira, 2000: Esta tapeçaria de pequenas dimensões é essencialmente manufacturada com as fitas do Senhor do Bomfim, a mais conhecida e reconhecida imagem religiosa da cidade de S. Salvador da Bahia. Esta composição assenta essencialmente na ideia de pulseira tecida em cores que remetem para a bandeira do Brasil, acrescidas do vermelho e do violeta.

Séculos – Manto/Manta, 1997: Esta tapeçaria é evocadora da miscigenação e da individualidade de cada etnia e cultura. Traduz a aproximação e o encontro das civilizações, das raças e dos povos. A composição quadriculada, embora tenha um carácter estático, apresenta ritmos subtis que, de alguma forma, revelam o valor das relações interculturais e a própria globalização. 

Símbolo e Mito, 2000: Esta pequena peça é executada em material nobre condizente com a natureza dos elementos simbólicos e dos mitos como constantes culturais de qualquer homem, lugar e povo. Evoca o achamento do ouro, a busca permanente de tesouros materiais e espirituais inerentes à própria condição humana. 

Tempo – Infância, Adolescência, Maturidade, 2000: A primeira peça desta trilogia apresenta como elemento fundamental a integração de uns patins que simbolizam a essencial actividade lúdica e a ideia de movimento. A segunda, foi traduzida na fragilidade das transparências e na diversidade de caminhos. A terceira peça inclui uma pedra que significa a consciência de atingir a maturidade e a flutuação das influências a que o adulto está sujeito. 

Vela, 1999: A manufactura revela-se intrincada e resolve-se numa técnica mista de pendor tradicional e experimental. Assenta na horizontalidade e procura representar a actual bandeira portuguesa. A técnica utilizada reside na execução de efeitos designados por demi-huites e hachures relativos à escola de Gobelins.

Viajor – Tapeçaria Personagem, 1997/2000: Esta tapeçaria, organizada longitudinalmente, procura explicitar as variadas viagens iniciáticas, históricas e interiores de cada indivíduo. A composição apresenta-se numa grande liberdade formal sendo executada com diversos materiais. É composta por quatorze objectos-têxteis que evocam a ideia de aventura de carácter confessional.