Polén Insaturado 1980

Elegia do Tapeçeiro Egípcio

Bela é a água que corre como lã clara nos teares. E vão passando os peixes, que deixam só diáfano esquema.
Leve é o giro das aves, recortado há cinco mil anos, e as canas e a brisa inventam músicas fictícias de aéreos estambres, na alta urdidura do tempo.
Grave é o corpo do jovem reclinado em vítreo silêncio, Pálido Osírisque o Nilo afoga em suas ondas.
Em seus olhos fechados, donos de cores e linhas eternas, a memória mistura anjos, profetas e deuses.
Oh! entre esses calmos perfis parados nas ourelas, o rio mostra ao tecelão a sua morte, larga tapeçaria que apenas a alma contempla: sob as canas e os pássaros e as lançadeiras dos peixes rápidos, sob o dia, sob o mundo, na visão das cenas arcaicas, e o tecelão vai sendo também tecido.
Como lã clara nos teares, bela e exacta, a água que corre vai bordando o seu vulto, vai levando suas pálpebras e seus dedos…
Quem pode separar os fios da vida e os fios da água, neste desenho novo que está nascendo em lugar invisível?

Texto de Cecília Meireles