Sobre a minha obra 2021-2022

Sara Raposo e Carlos Pires, Dúvida Metódica in Manual de Filosofia do 11º ano 2022-2023

Paula Rego Tempo- Passado e Presente 1990

Altina Martins Tempo-Infância , Adolescência, Maturidade 1997

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Sofia Marçal, Museu Nacional de História Natural e da Ciência

https://museus.ulisboa.pt/exposicao-narval?fbclid=IwAR0vt2nomH--efmwOVpaWqqxEmyBEIKKYcY28UaxF8PVP6tjOOyEcEPJqeE

Que haja luz, em vez de obscuridade

Altina Martins ao longo do seu percurso como artista plástica tem vindo a experimentar diferentes formas de trabalhar a luz e nesse seu caminho procura também a reconciliação do nosso planeta. “A comunhão de eus secretos baseada em revelações mutuamente estimuladas pode ser o núcleo do relacionamento amoroso. Pode fincar raízes, germinar, desenvolver-se dentro da ilha autossustentada, ou quase, das biografias compartilhadas.”[1] Os trabalhos de Altina transmitem também a sua preocupação ambientalista e estão inseridos numa estética de resistência.

A instalação Narval aproxima-se desse ideal estético-filosófico e representa a interação da artista com o Museu Nacional de História Natural e da Ciência, remete-nos para a necessidade de reconhecimento e preservação dos ecossistemas. “O Narval (Monodon monoceros), também conhecido como unicórnio do mar, é um mamífero marinho raro que vive nas águas geladas do círculo Polar Ártico. Da ordem dos cetáceos (parente das baleias), o animal é conhecido principalmente pelo o que parece ser um chifre saindo da sua cabeça.”[2] Na peça Narval os materiais que a compõem,  vidro soprado, conchas de lingueirão, mosquetão e fios de papel, seda, glow-in-the-dark, refletor, prata de lei e prata dourada, são um  veículo para a mediação da luz com os seus espectadores.

Citando a artista “A escultura que apresento, uma tapeçaria que se expande através de materiais orgânicos e inorgânicos, invoca o reino animal e o plano simbólico revelando que o masculino e o feminino, técnica e sensibilidade, ciência e arte, natureza e progresso, desejo e consciência, podem coexistir no mesmo corpo, espaço ou criação.”

Podemos entender a sua estética não muito longe da espiritualidade, a instalação Narval pensa a luz a partir da espiritualidade como uma irradiação, dando forma à harmonia.

É principalmente sobre o trabalhar a tapeçaria sobre a sua essência, sobre o que representa e que quer representar que Altina se exprime, se emancipa e se exalta. “É isso o que faz também Baudelaire, pois o que importa é que a representação alegórica do mundo lhe ofereça um refúgio contra a realidade da existência separada, que lhe seja capaz de fornecer as armas para o combate que se trava no plano humano ou, se se prefere, no plano poético.” [3] Aqui materializada na reinvenção do viver em equilíbrio connosco e com todos os seres vivos.

Continuando a citar a artista, “a peça joga com as características dos materiais que mediante a luz diurna ou a sua ausência, criam duas composições distintas e dois modos de ser fruída. Narval, tem a pele de cor cinzenta e branca, tal como o fio refletor utilizado para a elaboração do tecido que o pretende representar no seu habitat.  O fio refletor quando iluminado pela luz incidente, reflete e espelha-se e a gradação de cinzentos alcança o branco em espelho-prata. O fio glow-in-the-dark, tal como o nome revela, brilha no escuro e confere e ilustra o efeito dos ligamentos das vértebras de uma coluna vertebral.”

Se a artista perpétua o dom da luz nas suas obras, é porque tem a capacidade de nos oferecer a luz duradora que emana das coisas e não a luz efémera que incide sobre as coisas. “A luz alaranjada das 9 horas, aquela impressão de intervalo, um piano longínquo insistindo nas notas agudas, seu coração batendo apressado de encontro ao calor da manhã e, atrás de tudo, feroz, ameaçador, o silêncio latejando grosso e impalpável.”[4] Que haja luz, em vez de obscuridade.

Sofia Marçal

[1] Zygmunt Bauman, in: Amor Líquido: Sobre a Fragilidade dos Laços Humanos, p.37.

[2] https://topbiologia.com/narval-o-unicornio-mar/

[3] Charles Baudelaire, in: As flores do mal, A serpente que dança. A arte de Baudelaire, Marcelo Jaques, p. 41.

[4] Clarice Lispector, in: Perto do Coração Selvagem, p.41.

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Tobi Maier, Galerias Municipais Pavilhão Branco

Água e Terra

A tapeçaria de Altina Martins foi profundamente influenciada por uma longa estadia no norte da Índia, na cidade de Varanasi, considerada a capital espiritual do país, Altina Martins explora os temas da maternidade, fertilidade e natureza através da experimentação continuadas possibilidades da fibra e do tecido. AR/ÁGUA uma das suas primeiras peças de tapeçaria combina materiais diversos como algodão, conchas, ráfia e seda. A superfície da água e do mar são temas recorrentes, interpretados de forma bastante experimental improvisada nas peças CARAVELA ÁRTICO PLÂNCTON e VENTO que incorporam fibras de algodão, lã e seda, inox, cobre, madeira, vidro, acetato e diferentes tipos de papel. Os trabalhos viscerais de Altina Martins são uma lembrança vivida das possibilidades da amálgama material na arte têxtil. Brilhantes e refletores, aproximam-se de uma peça de joalharia.

Leonor Nazaré, Centro de Arte Moderna Gulbenkian

https://gulbenkian.pt/cam/works_cam/tempo-infancia-adolescencia-maturidade/

Em 2020, o CAM adquiriu a tapeçaria «Tempo – Infância, Adolescência, Maturidade» da autoria de Maria Altina Martins. A artista portuguesa tem vindo a trabalhar este tipo de peças desde a década de 1960 até aos dias de hoje, muitas vezes desafiando as fronteiras entre a tapeçaria e a escultura. 

Apesar de a Coleção do CAM albergar obras em tapeçaria, raramente terá estado na sua agenda a aquisição de tapeçaria contemporânea, aquela que foi desenvolvida a partir do final dos anos de 1960 pelo Grupo 3.4.5. (1978-2002) e pela Associação ARA (1975-1977), fundada por onze mulheres, com destaque para nomes como Gisella Santi, Flávia Monsaraz e Rosa Oliveira.

Altina Martins é uma das protagonistas dessa história e tem continuado a trabalhar até hoje, em alguns casos em técnicas de tapeçaria tradicional, mas em muitos casos na fronteira entre a tapeçaria e a escultura.

Tendo considerado oportuna a abertura de espaço a esta área criativa na Coleção, o CAM integrou recentemente uma obra sua que corresponde a esse perfil. O título, Tempo – Infância, Adolescência, Maturidade, coloca-nos perante uma espécie de arquivo ou compêndio de memórias que atravessam o início de vida e se suspendem no momento da maturidade que, por definição, se estende indefinidamente.

Por entre linhas verticais de fios atados e cruzados com outros que os serpenteiam em teceduras toscas e elementares, surgem chinelos, um par de velhos patins, pedaços de madeira e de redes finas. Na moldura policromada em cujo retângulo coabitam, esses objetos tornam-se «nós» górdios duma trama que se abre e se deslaça, deixando muito espaço vazio e trazendo à superfície a evocação de momentos essenciais no percurso de vida que o título evoca.

Fora da parede, e exposto no espaço tridimensional de uma sala, este objeto singular pode ser considerado uma obra têxtil, mas também uma escultura ou a premissa de uma instalação.

Entre 1972 e 1975, Altina Martins fez o curso de Design no Centro de Arte e Comunicação Visual (Ar.Co), em Lisboa. Em 1978/1979, investigou métodos naturais de tecelagem e tintagem nas regiões de Coimbra, Minho e Trás-os-Montes como bolseira da Fundação Calouste Gulbenkian e em 1982/1983, realizou um estágio de pesquisa de Tecelagem Tradicional, em Benares, na Índia.

Em 1995/1996, a artista fez uma especialização em Tapeçaria de Alto-Liço, na Manufacture Nationale des Gobelins, em Paris, novamente como bolseira da Fundação Calouste Gulbenkian.  Em 1998/1999, ingressou no curso de Tecelagem, Fiação e Tinturaria Natural, no Museu Nacional do Traje, Lisboa. É Professora de Nomeação Provisória/Professora do Quadro de Nomeação Definitiva do Setor Têxtil da Escola Secundária Artística António Arroio, em Lisboa, desde 1988 e tem participado em vários eventos de formação e reflexão sobre a tapeçaria contemporânea.

Leonor Nazaré
Curadora